Pedaços de tempo, todos em mim

Para a Sara, sobre o tempo.

“Não temos tempo, porque alguém – principalmente nós próprios – o gastamos e rompemos com procuras indecentes. Portanto, é preciso mais do que tempo. É preciso um litro e meio de coragem para dois litros de tempo. Proporção descuidada, mas cuidadosamente analisada. E as caixinhas? As caixinhas são de Pandora, mistérios imperscrutáveis. São caixinhas de amor, de amizade, de ódio, de paz ou memórias. São sítios onde se arrumam as brisas complexas que andam dentro do crânio e do esterno. O cérebro e o coração. Oh, dificuldade colossal. Separem-se, essa luta de titãs nem sempre conduz a alguma vitória.”

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Sobre o hoje, o que somos hoje, o que esperamos hoje, o que seremos amanhã. As entranhas enrolam-se até darem nó. Andamos enjoados por não saber de que cor é a chuva que cairá amanhã do céu. O tempo, o tempo que é tapado com uma renda de bilros. Um texto sobre a vontade de ter tempo e senti-lo a escapar por entre as sombras laranja da inexequibilidade. O pavor de não ter tempo é igual ao receio de o ter e de não o encher. Encher de coisas, de ideias, de caixinhas, de lembranças. As ideias não existem a não ser que sejam partilhadas e materializadas ao sabor da vontade. A inexequibilidade. Encher de ideias requer o dobro do esforço. Tê-las, maturá-las, odiá-las e amá-las. Transformar as ideias em coisas, transformar as entranhas em bandejas de prata onde todos põem os dedos para se servirem avidamente dos canapés. Porque a fome é muita, a sede também, e a vontade de sugar as ideias alheias para as amachucar como folhas de jornais secas pelo sol é ainda maior.

Não temos tempo, porque alguém – principalmente nós próprios – o gastamos e rompemos com procuras indecentes. Portanto, é preciso mais do que tempo. É preciso um litro e meio de coragem para dois litros de tempo. Proporção descuidada, mas cuidadosamente analisada. E as caixinhas? As caixinhas são de Pandora, mistérios imperscrutáveis. São caixinhas de amor, de amizade, de ódio, de paz ou memórias. São sítios onde se arrumam as brisas complexas que andam dentro do crânio e do esterno. O cérebro e o coração. Oh, dificuldade colossal. Separem-se, essa luta de titãs nem sempre conduz a alguma vitória. E como não há sempre resultado neste debate circular, arrumamos as coisas em caixinhas. Para saber o que são, para saber de quem são, para saber ir buscá-las quando é necessário. Mil relógios de parede rodam os ponteiros em rotações opostas. Tempo, perdemo-lo e ganhamo-lo, às vezes temos tempo a mais. Porque pensar no tempo gasta tempo, tempo esse que devia ser usado a ter ideias e a concretizá-las. E aí vem a melancolia, o doce som de uma guitarra e uma sapiência muito própria. “Eu sou eu. O caráter é o destino. A história é Deus. E pronto!”, Coetzee dizia, e dizia muito bem.

Para quê gastar-me? Para quem perder-me? Não vale a pena esta agonia, o sol há-de nascer amanhã e eu estarei no mesmo sítio. Isso. É exatamente isso. Abre-se um buraco no chão e os cabelos pretos enrolam-se numa espiral de desespero durante esta queda de Atlas.  Pedaços de mim mesma. Pedaços de mim mesma que confluem em mim mesma. Pobre de mim. Farei o quê com pedaços de alma desestruturados? Farei-me a mim mesma. Pobre de mim. Sou pedaços dos outros, do espelho dos outros, do negro e da canela. Os cheiros, os toques em peles macias e ásperas das cicatrizes. Isto é tudo o que sou e que o tempo me deu. Pedaços de mim mesma sugadas de pedaços de outros seres, de outros tempos, de várias memórias. Sou assim. Eu, sou assim. É o que tiver que ser. Os dedos sujos de pegar nos canapés que são servidos em bandejas de prata vão apontar o dedo e rir. Rir muito muito alto, de escárnio. Desacato, desdém, desprezo, menosprezo.  Vão escrever, com sangue, a letra escarlate da vergonha. Lixem-se todos. Eu pus num balde vários litros de tempo e vários de coragem, numa proporção de dois para um e meio, e mexi com uma colher de pau gigante. Estilhacei os braços com o esforço. Somos nós todos, hoje. É o nosso tempo, hoje. Somos o desespero, hoje e amanhã. Mas há que ver que a beleza do tempo é não saber se ele existe depois. É não saber a quem pertence, quem o tem, quem o gasta. Vivemos no desespero de medir o tempo, de usufrui-lo, de emprega-lo. Pensamos tanto em usar o tempo que só o gastamos. E o tempo não volta a trás. É pena, ou não. Mas bebi até ao fim e trago-vos o resultado. Pedaços de mim, que vêm de vocês. E que tudo junto dá nisto. Eu própria. Riam-se agora.

Um “cris de coeur”

 

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Pode ser porque, de forma consciente e racional, os cidadãos estadunidenses não viram o potencial em nenhuma mulher para assumir este cargo. Legítimo, se este argumento for a causa desta disparidade. Porém, existe outro motivo para a percepção dos eleitores ser moldada de forma parcial: os média. Segundo o estudo de Erika Falk, no artigo “Women for President”, os média criam um retrato complexo das candidatas femininas, como sendo inviáveis, incompetentes, irrelevantes. O facto de se salientar a diferença entre um candidato e outro pelo género revela o sexismo que domina, ainda, a cobertura mediática e a opinião dos eleitores.

 

Texto na íntegra

I think we should start wearing pink!

Hoje, dia 17 de Maio, é o Dia Internacional da Homofobia. Hoje, quando li que era celebrado o Dia Internacional da Homofobia, achei que devia escrever alguma coisa. Depois quando comecei a escrever apercebei-me que afinal não conseguia escrever nada. Já tanto foi escrito sobre a Homofobia. Já tantas hostes se levantaram em rebelião, a favor e contra. Já tanta tinta correu, já tantas teclas se gastaram sobre este tema. O que é que eu haveria de dizer sobre isto? O que é que eu haveria de poder acrescentar sobre este assunto? Acho que a pergunta a fazer não é essa. A pergunta é: porquê. Porque é que eu havia de ter alguma coisa a dizer ou a escrever sobre este assunto? Por todos os motivos. Por motivos pessoais, por motivos de crença, por motivos de orgulho e de amor. Parece-me que a homofobia, como qualquer tipo de preconceito ou discriminação, são problemas sociais e culturais gravíssimos. Não são só gravíssimos. São problemas capazes de mudar o rumo das histórias. Entranham-se em indivíduos ou em grupos sociais. Sim entranham-se, de uma forma mais ou menos profunda, mas entranham-se. Quando um bebé nasce, não nasce a odiar homossexuais ou chineses! Esta fobia ou discriminação é tida como parte da educação e dos princípios de muitos indivíduos. Educa-se e reeduca-se, de forma a delinear o certo e o errado. O bem e o mal. O preconceito é a extensão mais pura da falta de carácter. A homofobia é a forma mais pura da ignorância e do egoísmo. Quem vive à sombra desta discriminação é a forma mais pura da coragem e da bravura. É por este motivo que escrevo este texto. Não tenho como mote converter, ou tentar converter alguém, explicando ao preconceito o quão normais e boas pessoas são os homossexuais. Porquê? Porque, numa dimensão pessoal, não valem a pena. Estas pessoas não valem a pena, nem o esforço nem o intelecto. Vamos explicar a um pedófilo que é errado sentir-se atraído por crianças? Vamos explicar a um indivíduo que pratica violência doméstica que ele está errado? Podemos tentar. Quantas vezes? É uma luta que deve ser travada tendo em conta o nível de violência física e psicológica a que estas pessoas são capazes de sujeitar outras.
A 7 de Março de 2012, Navi Pillay, alta comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, escreve:
“While the significance of national and regional particularities and various historical, cultural and religious backgrounds must be borne in mind, it is the duty of States, regardless of their political, economic and cultural systems, to promote and protect all human rights and fundamental freedoms.”
O preconceito e a discriminação já levaram à execução das maiores atrocidades da história. Vamos continuar a olhar para este problema como se fosse um problema ligeiro? Inofensivo? Vamos tratar os assassinos e os pedófilos e os violadores como criminosos, mas estes indivíduos como pessoas perturbadas e com os valores em conflito? Até que aconteça o quê?
Dedico este texto às pessoas mais corajosas que já conheci na minha vida.